quinta-feira, 28 de julho de 2011

Ars Nova (Philippe de Vitry e Guillaume de Mauchat)


O surgimento da Ars Nova deu-se na França, no início do século XIV. Este século marcou uma ruptura decisiva entre os setores da economia, política e religião ocasionando o declínio da organização feudal. Nesse momento começa-se a questionar a autoridade da Igreja e a burguesia comercial tem seu maior desenvolvimento.
A igreja, antes poderosa e inquestionável, começa a passar por uma de suas primeiras reformas, ocorrendo uma divisão de papados entre a mesma. Essa divisão ocorreu devido ao surgimento do movimento humanista que visava razão humana e revelação divina como domínios separados. Houve a criação de um segundo papado em Avignon. De um lado está o conservadorismo, que aborda os ideais tradicionalistas do Período Medieval, do outro, uma instituição que inicia uma espécie de busca pelo humanismo, idéia antes abordada pelos gregos, movimento que nos séculos a frente deu origem ao Renascimento.
A igreja no Período Medieval possuía uma idéia conservadora que defendia a utilização do cantochão, denominação aplicada à prática monofônica de canto utilizada nas liturgias cristãs, originalmente desacompanhadas. Já para a vanguarda, a Ars Nova, impulsionou um desenvolvimento musical que estabelecia um padrão rítmico e métrico às músicas da época, permitindo ao compositor organizar a composição em um sistema de pauta, tornando possível uma precisão nunca antes vista. O chamado estilo Ars Nova (Notandi), ou seja, “nova arte” ou “nova técnica de notação”, foi teorizado em um tratado publicado por Philippe de Vitry.


 Philippe de Vitry

Fig. 1
Vitry foi um poeta francês, compositor e teórico musical, secretário real de três reis franceses, e bispo de Meaux. Vitry foi um dos maiores representantes do movimento da Ars Nova. Dentre suas obras destacam-se três poemas em francês (Dict de Franco Gautier, Capela des trois fleurs de lis, e Terre o Grec Apellée Gaulle), vários motetes e o Tratado da Ars Nova em si. Atualmente podem ser encontrados catalogados muitos trechos de suas obras. Alguns de seus motetes mais conhecidos são: Garison Selon Nature, um motete na língua francesa com base no tema tradicional do amor cortês; Gratissima Virginis Species, uma obra de característica religiosa; Hugo, Hugo que retrata um protesto contra a hipocrisia; e Petre Clemens, em homenagem ao Papa Clemente VI.
O tratado de Vitry revolucionou a técnica musical desta época utilizando uma aplicação de tempo e prolação para as obras (figura 2). Classificando a mensuração de tempo como perfeito (triplo) e o imperfeito (duplo), organizando-os em quatro prolações criando séries de combinações básicas de padrão rítmico. Esta inovação permitia aos compositores da época explorar novas idéias, como a utilização de um contraponto sincopado, polifônico e cheio de ritmos cruzados podendo ser utilizados sem dificuldades.
Fig. 2 Tabela de exemplo sobre tempo e prolação da teoria vitriniana extraído do site pt.wikipedia.org
A prolação, segundo Vitry, podia ser subdividida em quatro outras modalidades. No primeiro grau, maximodus, que relacionava as proporções entre os três tipos de nota longa, a longa tripla ou longuíssima (81 unidades), a longa dupla (54 unidades), e a longa simples (27 unidades); no segundo grau, modus, que relacionava a longa com a breve, estavam a longa perfeita (27 unidades), longa imperfeita (18 unidades) e a breve (9 unidades); no terceiro grau, tempus, relacionando a breve com a semibreve, estavam a breve perfeita (9 unidades), a breve imperfeita (6 unidades) e a semibreve menor (3 unidades); e no último grau, prolatio, relacionando a semibreve com a mínima, estavam a semibreve perfeita (3 unidades), a semibreve imperfeita (2 unidades) e a mínima (1 unidade) que refletem os agrupamentos possíveis de mínimas.

A medida da duração das notas se torna progressivamente mais definida e as indicações de metro no início da pauta se multiplicaram, assim possibilitando várias combinações e relacionamentos entre os valores das notas e os padrões métricos. Outra inovação foi a utilização do uso da coloração vermelha para indicar as imperfeições.

Roman de Fauvel

Uma das maiores obras do século XIV foi Le Roman de Fauvel, datado de aproximadamente 1317-18. A obra era uma espécie de protesto contra a Igreja, a sociedade e o poder das instituições (figura 3). Apesar de Vitry não ser autor da obra literária, encontram-se no decorrer da mesma, vários de seus motetes.
Página do manuscrito iluminado do Roman de Fauvel, c. 1318, possivelmente a mais antiga fonte de música da Ars nova. Biblioteca Nacional da França, Paris.
            O romance de Fauvel é um poema satírico datado do século XIV, que narra a história de um burro, chamado Fauvel, cujo nome retrata as iniciais dos pecados da vaidade, ganância, ira, inveja, preguiça e covardia. A obra era uma espécie de crítica à sociedade da época, fosse ela eclesiástica ou secular. A primeira versão do Roman de Fauvel é datada de 1310, possuía cerca de 1226 versos, sua autoria apresenta-se como anônima, apesar da obra possuir vários motetes de Vitry, ele não se intitulou autor da mesma. Já a segunda versão, de aproximadamente 1314, possui como autor Gervais du Bus, um escritor e clérigo francês ativo no início do século XIV, chegando a marca de 2054 versos. Durante o decorrer do século, a obra foi reescrita diversas vezes, sempre havendo alterações quanto à autoria.
            Sua importância para a música dá-se ao fato de que quase todo o texto da obra possuía uma acomodação musical, formado por composições monofônicas e polifônicas, que apareciam tanto em francês quanto em latim. Nesta obra, podem-se notar as composições baseadas na idéia do canto mensurável, ou seja, o estilo retratado pelo movimento da Ars Nova. O conto costumava relatar sobre situações embaraçosas que ocorriam tanto na nobreza quanto na vida eclesiástica. A idéia do romance procurava retratar estas pessoas como pessoas normais, que também possuíam pecados, enfraquecendo assim a idéia divinal da Igreja do século XIII e anteriores. Dentre os compositores que surgem na obra pode ser destacado também o nome de Guillaume de Machaut.


Guillaume de Machaut

 Poeta e músico, Machaut serviu na capela de João de Luxemburgo, como seu secretário particular, e passou grande parte de sua vida a serviço da nobreza. Seus trabalhos foram organizados em uma série de manuscritos, que apresentam uma larga seleção de suas músicas, um feito único para um compositor da idade média. Compositor de transição, suas obras possuíam cunho tanto religioso quanto secular. Algumas de suas obras tiveram destaque como o motete isorrítimico, o lai e o virelai para voz solo. Machaut escreveu obras baseadas no estilo da Ars Nova publicado por Vitry e outros teóricos e foi um dos primeiros a desenvolver definições polifônicas para poesia secular tradicional, as chamadas “formas-fixas” (ballada, rondó e virelai).
            Machaut foi um dos primeiros compositores a publicar uma obra polifônica completa baseada no ordinário da missa, A Missa de Nostre Dame. Sem data certa de sua publicação, a missa era uma obra a quatro vozes, onde quatro dos seis movimentos (Kyrie, Sanctus, Agnus Dei e o It Missa Est) usam isorritmia e tem os cantus firmus na voz do tenor, servindo como base para os outros elementos da obra. Antes de cada parte da missa, uma voz canta a frase onde o cantus firmus é baseado, seguido por outras vozes que entram formando uma composição polifônica. No Kyrie as linhas do contraponto, com longas frases melismáticas fazem o cantus firmus do tenor, aparecer pouco perceptivo. Glória e Credo possuem uma composição mais simples, estilo nota contra nota, o que ajuda a compreender as palavras nesses trechos mais longos e desenvolvidos. Esta obra não representava apenas uma obra polifônica de seis movimentos, ela foi feita com o intuito de intercalar os movimentos polifônicos do ordinário da missa com os cantos do próprio, voltado para as celebrações específicas.

Ars nova Italiana

Figura 4. Landini tocando um organetto. Codex Squarcialupi, Biblioteca Medicea Laurenziana, Florença.
A Ars Nova Italiana possuía três gêneros: o primeiro é um tipo especial de madrigal conhecido como caccia, (obra composta a duas vozes em fuga como na canção contemporânea francesa); o segundo perpetuou a forma polifônica conhecida como ballata, (obra que abordava efeitos contrapontísticos mais cuidadosos e com efeitos harmônicos intrincados; e o terceiro traz a aplicação de novas experiências composicionais, sempre envolvendo o uso de efeitos de onomatopéias, o madrigal medieval.
A notação da Ars Nova Italiana utilizava uma sexta linha na pauta. As consonâncias eram uníssonos, quintas e oitavas, e a terça era normalmente tratada como dissonância, especialmente no início do período. Alguns compositores utilizavam notas de passagem para evitar intervalos paralelos. Uma técnica muito utilizada era a “Cadência Landini” (figura 5), que representava uma queda melódica onde a resolução da tônica era interrompida por uma submediante antes de retornar a oitava. Francesco Landini foi o mais prolifico compositor italiano da época.

Figura 5. Cadência de Landini, 
fórmula musical onde o sexto grau 
da escala (superdominante) é inserido 
entre a sensível e a tônica.
Extraído do site pt.wikipedia.org









Guilherne Gama da Silva Munhoz
 
Izis Andrade da Cruz


Referências

1. DUFFIN, Ross W. A Performer's Guide to Medieval Music. Indiana University Press, 2000.

2. GROUT, Donald J. & PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental, Editora Gradiva, 1994.

3. CANDÉ, Roland de. História Universal da Música Vol. 1. Editora WMF Martins Fontes, 2ª edição: 2001.
                                      
4. KIBLER, William W. Medieval France: an Encyclopedia. Routledge, 1º edition: 1995.

5. DRESS, Clayton J. The Late Medieval Age of Crisis and Renewal, 1300-1500: A Biographical Dictionary. The Great Cultural Eras of the Western World. Greenwood Publishing Group, 2001.

6. PARRISH, Carl. The Notation of Medieval Music. Pendragon Press, 1978.

7. ROSENBERG, Samuel N. & TISCHLER, Hans. The Monophonic Songs in The Roman de Fauvel. Lincoln: University of Nebraska Press, c.1991.
                                                                                    
8. SADIE, Stanley & LATHAM, Allison. The Cambridge Music Guide. Cambridge USA Editor.

Nenhum comentário: