quinta-feira, 28 de julho de 2011

Guillaume de Machaut e John Dunstable


                  Com a queda do Império Romano, houve uma rápida expansão do cristianismo que exigiu um maior rigor do Vaticano, que unificasse a prática litúrgica romana no século VI, a esse período podemos mencionar o surgimento da era medieval1
A história da Igreja Cristã abrange um período de cerca de dois mil anos, sendo esta então considerada uma das instituições mais antigas do planeta, em atividade até os dias de hoje, influindo no mundo em aspectos espirituais religiosos, morais, políticos e sócio-culturais. Sendo assim, não podemos citar o período Medieval sem antes, rapidamente, mencionar as contribuições que esta entidade e as primeiras comunidades cristãs fizeram a este período.
A Igreja Cristã se firmou como instituição consolidando seu prestígio e difundindo o cristianismo, mesmo em meio à desorganização administrativa a que se encontrava o já não tão poderoso Império Romano. Problemas de ordem econômica e social produzidos pelas invasões e migrações germânicas somadas ao esfacelamento do império, puseram a Igreja numa posição de instituição consideravelmente respeitável, que ia de encontro aos povos bárbaros propagando o cristianismo, afirmando seu poder e prestígio, como instituição hierarquicamente organizada.
Sendo assim a Igreja passou a exercer influências crescentes e importantes, valendo-se não tão somente do papel religioso a que lhe era cabido, mas servindo como um instrumento de unificação diante da fragmentação política da sociedade feudal. 
Mas o seu poder influente passou por grandes transformações, devido a uma separação em 1054. Houve então certo enfraquecimento do poder da Igreja, o que ofereceu uma abertura para o surgimento da polifonia2, o que conseqüentemente acarretou na busca por melhores sistemas de notação.
O surgimento da polifonia se deu de maneira gradativa, no início as vozes eram dobradas em oitavas, e posteriormente foi acrescentada uma terceira voz, que cantava uma quinta acima da voz mais grave. Isso ficou conhecido como organum, cujo plural é organa.


GUILLAUME DE MACHAUT (1300 - 1377)

Guillaume de Machaut ou Machault (Diocese de Reims, c. 1300-1377), foi um dos grandes nomes da Ars Nova. Na verdade não se tem dados concretos onde estudou, mas podemos concluir que Machaut foi poeta e compositor francês produtivo, corroborando fontes que afirmam que quando ainda muito jovem ele tomou ordens para estudar teologia provavelmente em Paris, alcançando o titulo universitário de magister3.
Por volta de 1323 entrou ao serviço de João de Luxemburgo, rei da Boêmia, para trabalhar como secretário e de quem se tornou amigo, acompanhando-o não tão somente em suas expedições, mas também em suas campanhas militares e na sua vida de prazeres pelo mundo afora.
Mais tarde passou sucessivamente ao serviço da filha daquele, Bonne de Luxemburgo, mulher do duque João da Normandia, depois ao rei de Navarra, de quem se tornou amigo e que celebrou no poema Confort d’ami, e ainda ao rei de França (João ou Carlos VI) e ao duque de Berry.
Em todas estas cortes gozou de situação privilegiada, morrendo em Reims, já com idade avançada, como cônego desta mesma cidade, altamente respeitado como poeta e como e maior músico de seu tempo.
Na sua dupla qualidade de poeta e compositor, Machaut geralmente é considerado o mais notável representante da Ars Nova francesa. Das suas obras profanas tem especial importância as baladas; uma criação sua exclusiva, a que chama ballades notées, para distinguir das baladas não postas em música em estilo polifônico. As baladas de Machaut descendem diretamente do motete4 francês do século XIII, representado na música cortesã e trovadoresca. Devem mencionar-se em seguida os rondeaux e os virelais, formas estas, poético-musicais mais simples do que as baladas, tratando sobretudo de temas de amor cavaleiresco.
Todas as composições de Machaut podiam ser acompanhadas de vários instrumentos, destinados a reforçar e a colorir a sua execução, embora não haja menção expressa a eles nas partituras. Todas as obras de Machaut foram conservadas em admiráveis manuscritos, alguns dos quais preparados sob sua própria supervisão e destinados a príncipes e bibliófilos5.
 Por volta de 1340, Machaut dedicou-se á criação literária musical. Suas missas monofônicas podem ser consideradas como uma extensão da tradição trovadoresca na França. Dentre elas estão dezenove lais e cerca de vinte e cinco cantigas, a que ele chamou de chansons balladées, mais conhecidas como virelai. A característica do virelai é a forma ABBA, na qual A representa o refrão, B a primeira parte da estrofe (que é repetida) e A a segunda parte da estrofe que utiliza a mesma melodia do refrão.
Machaut também escreveu sete virelais polifônicos a duas vozes e um a três vozes.
Foi nos seus virelais, rondéis e baladas polifônicas (as chamadas formas fixas) que Machaut ilustrou mais claramente as suas tendências da ars nova, explorando possibilidades da nova divisão binária, substituindo um ritmo triplo lento ou organizando por um ritmo com base na divisão binária.
Uma das mais importantes realizações de Machaut foi o desenvolvimento do estilo da balada ou cantilena. Este estilo é exemplificado nos seus rondéis e virelais polifônicos. As baladas de Machaut, cuja forma é em parte uma herança dos troveiros, compunham-se normalmente de três ou quatro estrofes, todas elas cantadas com a mesma música e seguidas de um refrão.
Nos rondéis de Machaut, o conteúdo musical apresenta-se extremamente sofisticado, sendo um deles freqüentemente citado como exemplo de maestria, quando o tenor canta “O meu fim é o meu princípio e o meu princípio é o meu fim”.
As obras de Machaut são vastas e variadas, incluindo a Messe Nostre Dame (missa de Nossa Senhora), que se tornaria muito famosa, onde o autor realizou a composição a quatro vozes de todas as partes do ordinário: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei. 
A edição completa das composições musicais de Machaut foi feita por Frederich Ludwig. (Lípsia, 1926-1929).

JOHN DUNSTABLE ( ca.1390 - 1453)
John Dunstable foi o mais proeminente dos compositores ingleses de sua geração, cuja data e local de nascimento são incertos, mas que se sabe ter morrido em Londres, a 24 de dezembro de 1453.
Pouco se conhece sobre o começo de sua carreira, mas o certo é que já em 1437, Dunstable, gozava de grande nomeada como um dos melhores músicos da Europa e, segundo Tinctoris, o verdadeiro modelo dos ilustres Binchois6e Dufay7 seus contemporâneos mais novos. Presume-se que tenha vivido alguns anos na França na companhia do duque de Bedford, irmão de Henrique V.
Todavia o que se sabe sobre Dunstable é apenas conjectural, dada a falta de documentos ao seu respeito. A própria música de Dunstable foi praticamente desconhecida até fins do século XIX, e ainda hoje pouco mais adiantado se está nesta matéria, mormente no que diz respeito ao estudo critico dessa música.
Em todo o caso o que parece fora de dúvida é seu papel histórico, de alta importância. Além de haver sido um dos mais ilustres representantes do estilo vocal acompanhado do Primeiro Renascimento, “é a ele que possivelmente se deve a idéia sistemática da interdependência temática dos trechos do ordinário da missa, coisa que só esporadicamente havia sido feita por Machaut.
 A técnica polifônica de Dunstable marca um decisivo passo sobre a dos seus antecessores e constitui acaso o ponto de partida de todo o desenvolvimento posterior da arte contrapontística. A sua influência foi notável, não só com respeito aos músicos ingleses, mas também aos seus contemporâneos como Leonel Power e John Benet, mas ainda em relação aos músicos do continente como os já citados Binchois e Dufay. Salvo três canções, Durer  ne puis, Puisque m’amour e O rosa bela (a mais conhecida e celebrada das composições de Dunstable, embora a sua paternidade seja controversa), toda obra restante do ilustre compositor inglês se destina a igreja latina (motetes, sequencias, etc).
As maiorias de suas obras remanescentes encontram-se em fontes do continente europeu.
Existem cinqüenta e uma composições que se afirma com segurança serem de sua autoria, porém muitas outras anônimas, ou com atribuições de autoria conflitante, provavelmente também o são. Estilisticamente sua música pode ser dividida em quatro categorias; obras isorrítmicas; obras não isorritmicas baseadas em um cantochão; obras do estilo free treble ou ballade, consistindo de uma linha melódica livremente composta, que pode, no entanto, incorporar traços de cantochão elaborados e duas partes mais lenta de apoio; e obras declamatórias em um estilo silábico, com cuidadosa acentuação do texto. Dois dos primeiros ciclos de missa, reseculorium e gaudiorum premia, são-lhe atribuídos em algumas fontes, e alguns de seus outros movimentos de missa podem originalmente ter pertencido a ciclos completos.
A maioria de suas obras é em três partes, exceto os motetos isorrítmicos freqüentemente em quatro partes, e , ainda que todos comecem em compasso ternário, é comum uma mudança para compasso binário próximo a parte central e, às vezes em retorno mais breve ao ternário, próximo ao fim. Suas melodias costumam progredir por grau conjunto, e em movimento triádico harmônico, refletindo a predileção inglesa por terças e sextas, é predominantemente consonante.           
            Guillaume de Machaut e John Dunstable trouxeram enormes e significativas contribuições para música mundial. Tanto que nos deixaram um enorme legado nas estruturas composicionais, que marcaram o nascer de uma era na história da música, influenciando toda uma nova corrente musical, a ars nova, sobretudo pelas mudanças do canto gregoriano (homofônico, linear e centralizador, atuando como base para a polifonia) e do texto litúrgico, além da dinâmica rítmica e da diversidade melódica (expressando a nova ordem social urbano-burguesa).
No entanto, na teoria da polifonia medieval é que os problemas da medição do tempo real foram estudados em primeiro lugar, com as soluções aplicadas de forma eficaz neste momento do século XIV. Foi em sua prática que uma civilização emergente se educou para perceber o fluxo do tempo como um processo que não era derivado do Sol ou da Lua ou do movimento de corpos ou de qualquer outra causa primária, e que podia ser tratado da mesma forma que uma dimensão espacial
Mesmo estando a produção musical polifônica vinculada ao poder sócio-político-econômico da Igreja, a polifonia da Messe de Nostre Dame deixa transparecer a ideologia inerente à sua estrutura composicional.
As suas potencialidades transformadoras e revolucionárias, contudo, apenas se consumaram séculos mais tarde, com o advento da ciência moderna e seu método empírico.
Para aqueles que julgam ser a arte da música apenas uma mera diversão ou um mero passatempo ou, ainda, um empreendimento humano carente de significações transformadoras da realidade têm, nos exemplos das obras analisadas, as mais expressivas demonstrações de que a música está significativamente qualificada a operar profundas transformações, não apenas a nível estético e/ou artístico, mas em áreas do conhecimento que aparentemente não possuem relação direta com seus procedimentos específicos.
Guillaume de Machaut e John Dunstable foram, sem dúvida, personagens que na Idade Média ocuparam lugares de destaque no que toca a inventividade, gênio, espírito inovador e versatilidade. As intervenções de compositores como Dunstable e Machaut fizeram a música na Idade Média evoluir de tal forma, que já não era mais possível voltar atrás, pois a criatividade e ousadia deram lugar a enormes e fabulosas possibilidades.

NOTAS

1. Era Medieval, Idade Medieval, Idade Média ou Medievo são os termos usados para designar o período intermédio numa divisão esquemática da História da Europa, convencionada pelos historiadores, em quatro "eras", a saber: a Idade Antiga, a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade Contemporânea. Este período caracteriza-se pela influência da Igreja sobre toda a sociedade. Esta encontra-se dividida em três classes: clero, nobreza e povo. Ao clero pertence a função religiosa, é a classe culta e possui propriedades, muitas recebidas por doações de reis ou nobres a conventos. Os elementos do clero são oriundos da nobreza e do povo. A nobreza é a classe guerreira, proprietária de terras, cujos títulos e propriedades são hereditários. O povo é a maioria da população que trabalha para as outras classes, constituído em grande parte por servos. O sistema político, social e econômico característico foi o feudalismo, sistema muito rígido em progressão social. Fome, pestes e guerras foram uma constante durante toda a era medieval. As invasões de árabes, vikings e húngaros dão-se entre os séculos VIII e XI. Isto trouxe grande instabilidade política e económica. A economia medieval é em grande parte de subsistência. A riqueza era medida em terras para cultivo e pastoreio. O comércio era escasso e a moeda era rara. A economia baseava-se no escambo. Muitos Estados europeus são criados nesta época: França, Inglaterra, Dinamarca, Portugal e os reinos que se fundiram na moderna Espanha, entre outros. Muitas das línguas faladas na Europa evoluíram nesta época a partir do latim, recebendo influências dos idiomas dos povos invasores.
2. Termo musical para designar várias melodias que se desenvolvem independentemente, mas dentro da mesma tonalidade. As composições polifônicas têm várias partes simultâneas e harmônicas. As partes são independentes, mas de igual importância. Embora a música polifônica seja primordialmente vocal, o termo também pode aplicar-se a obras instrumentais. Polifonia é uma palavra que vem do grego e que significa de muitas vozes.
3. Mestre, Padre-mestre, Indivíduo de afir
4.Motete ou Moteto, sendo um dos grandes gêneros musicais o moteto é uma composição polifônica vocal, executada a capela ou acompanhada de instrumentos, em que cada voz ou grupo de vozes canta textos diferentes - e até em línguas diferentes. A origem da palavra remonta ao século XIII, quando foram acrescentadas palavras (mots, em francês) a fragmentos vocalizados de canto gregoriano.
5.Bibliofilia (grego: biblion - livro e philia - amor) entende-se a arte de colecionar livros tendo em vista circunstâncias especiais ligadas à publicação deles, segundo o verbete de Aurélio Buarque de Holanda. No entanto, são essas duas palavras "circunstâncias especiais" que mais despertam dúvida e mais lugar oferecem à divagação. Popularmente, denominamos de bibliófilo aquele que costumar ler com muita frequência. João José Alves Dias define um bibliófilo simplesmente como aquele que ama os livros.
6. Gilles de Binche, Binch ou Bins, mais conhecido como Gilles Binchois (+/-1400 –1460), foi um poeta, cantor, organista e compositor da Escola da Borgonha, um dos compositores europeu mais famosos do século XV.Sua influência foi emprestadas e utilizadas como fonte de materiais para compositores de outras épocas.
7.Guillaume Dufay (5 de agosto de 1397, Beersel, atual Bélgica27 de novembro de 1474, Cambrai, Bélgica), foi um compositor - da Escola de Borgonha, considerado o maior músico da primeira metade do século XV e um dos nomes mais importantes do período de transição da música medieval para a renascentista. Guillaume Dufay representou a primeira geração da Escola Borgonhesa. Seu modelo de missa polifônica, baseada no cantus firmus, teve grande aceitação entre os músicos até o final do século XVI.
Saomão Versoza de Souza 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BORBA, Tomás & LOPES GRAÇA, Fernando.  Dicionário de Música (ilustrado). Lisboa , edições Cosmos 1962. 1º Ed. Agosto de 1956,  2ª Tiragem dezembro de 1962 

GROUT, Donald JAY. & PALISCA, Claude V. Historia da Musica Ocidental. Lisboa: Gradativa, 2005.

HOPPIN, Richard H. (1978). Medieval Music. New York: W.W. Norton & Co. Disponível em acesso em 14 de julho de 2011

McLEISH, Valerie & Kenneth. Guia do Ouvinte de Música Clássica. Rio de Janeiro, editor Jorge Zahar . titulo Original: Lister’s Guideto Classical Music . tradução autorizada da 1ª edição inglesa publicada em 1986 por Longman Group UK Limited, de Londres.

SADIE, Stanley. Dicionário GROVE de Música, tradução: Eduardo Francisco Alves, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1994




SITES CONSULTADOS



http://www.dicio.com.br/polifonia

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